aqui p’ra dentro é uma espécie de visita-guiada ao órgão pensante de um autor — particularmente um autor de teatro. Frases que se atropelam, elementos cenográficos de espectáculos já estreados, textos amachucados; como é que se desenha o caos? Esta é uma exposição meio desleixada e desorganizada, que expõe a fragilidade do pensamento do Miguel Branco. Lá dentro cabem espectáculos que emergem de textos que o dramaturgo escreveu em contexto académico, no Mestrado de Estudos de Teatro da FLUL, e que mais não são do que experimentações dramatúrgicas, questionamento bibliográfico, parvoíce. Sim, sobretudo esta última.

Porque até nós sentimos a pressão de dar nomes às coisas, decidimos dizer que é uma espécie de exposição performativa, seja lá o que isso for. O que sabemos é que é uma exposição que pode ser visitada de 16 de Outubro a 20 de Novembro, na Galeria Municipal do Montijo, de terça a sábado, sendo que à sexta-feira à noite e ao sábado à tarde tem apresentações ao vivo a decorrer no seu interior. Nomeadamente: Um pano em Vancouver; O golfinho André e ainda Lama ressequida com marcas de carros.

Catálogo da exposição

Sempre presente na exposição e por isso passível de ser experienciada em qualquer dia de aqui p’ra dentro, Um pano em Vancouver é uma peça para três vozes, que parte da fotografia do canadiano Jeff Wall: A View From an Apartment. Num apartamento moderno duas mulheres convivem, uma dobra panos, a outra lê uma revista enquanto lancha. O exercício foi o de tentar dar vida, pela via das palavras, a uma fotografia que por inerência tem uma dimensão de estaticidade a que não pode, por completo, fugir.

Escutar Um pano em Vancouver

O golfinho André parte do conceito de pletora, do teórico alemão Hans-Thies Lehmann, para propor uma outra forma de vida, no meio do lixo, rejeitando a ideia de vida urbana moderna e de papinha-toda-feita, nomeadamente no que à criação de arte de forma ordeira e narrativa diz respeito. É um falhanço, na medida em que não segue assim tanto o conceito de pletora, nem consegue escapar à narrativa. Um espaço contraditório, onde tudo é mentira.

Lama ressequida com marcas de carro relaciona-se com A Missão (1978) — cujo subtítulo é Recordações de uma Revolução — do alemão Heiner Müller e com as duas encenações que o Teatro da Cornucópia fez da mesma, sobretudo da visualização de ambas as récitas em contexto de aula num Mestrado de Estudos de Teatro da FLUL — Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Sobretudo com a primeira, em 1983, e com o momento em que Luis Miguel Cintra interpreta o monólogo aparentemente interminável presente mais ou menos a meio da peça. Lama ressequida com marcas de carro é, no fundo, um monólogo de um homem velho e só em confronto com a sua memória e com os novos tempos.